João Lourenço assume a transição do MPLA com 98 por cento dos votos

Finalmente, com o partido na mão

João Lourenço voltou a prometer combater a corrupção e a bajulação. Recebeu fortes aplausos e muitos votos. Só 27 contra. ‘Criou’ mais um presidente do MPLA e afastou quase metade dos dirigentes do Bureau Político.

| Miguel Daniel
Finalmente, com o partido na mão
Mário Mujetes

Quando João Lourenço, quase no início do discurso de encerramento após os agradecimentos, prometeu “combater a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade”, o congresso exultou em aplausos. Era a sétima interrupção, desta vez, com festejos e braços no ar. Alguns daqueles delegados, que aplaudiam a ideia de anti-bajulação, dias antes tinham ensaiado uma estranha coreografia e um canto, cuja letra era reduzida a “obrigado, presidente Lourenço”. O vídeo, aliás, fez as delícias das redes sociais.

Dentro da sala, devia estar mais de 90 por cento dos milionários angolanos. Todos aplaudiram o discurso do novo presidente do MPLA a prometer o mesmo que já tinha garantido durante a campanha eleitoral do ano passado.  Mas dentro da sala do Centro de Conferências de Belas, o entusiasmo era outro. Nalguns casos, repetido. Muitos dos delegados, os mais velhos, já tinham ouvido discursos semelhantes de José Eduardo dos Santos, em especial o de 1980, quando o anterior Presidente ainda nem tinha aquecido a cadeira. Nessa altura, José Eduardo dos Santos prometia ser “implacável” com os dirigentes do MPLA que se aproveitavam dos cargos para enriquecer.

De regresso ao congresso de 2018, o da transição. “Exemplar”, lia-se nos cartazes em que os dois líderes, o cessante e o novo, surgiam de braços dados esticados para o ar. Era a procura da unidade, que acabou por se reflectir na votação secreta. João Lourenço arrancou mais de 98 por cento das escolhas e recebeu apenas 27 votos contra.

No ‘hall’, por onde a esmagadora maioria dos jornalistas tinha permissão para circular, o MPLA prestou homenagem, em fotos, a José Eduardo dos Santos. Dos congressos após 1979 ao último em 2016, até à efémera passagem como ministro do Governo liderado por Agostinho Neto. Nostálgico, Lopo do Nascimento, primeiro primeiro-ministro do país independente, olhava para as fotos e reclamava legendas para distinguir quem eram os dirigentes do MPLA. Pelo meio, recusava entrevistas com um único argumento: “Se eu disser tudo o quero dizer, vocês não passam”. E esgueirava-se por entre dirigentes antigos e mais novos, na troca de abraços.

Por pouco, Lopo do Nascimento escapou ao mini ‘tsunami’ que passou pelas mesas recheadas de sandes, bolos e alguns quitutes. Em poucos minutos, foi ‘varrida’ toda a comida das sete mesas. Duas delas caíram com o peso da fome. Eram momentos em que Adriano Mendes de Carvalho, governador de Luanda, cumprimentava meio mundo, e Bento Kangamba, fiel e familiar de José Eduardo dos Santos, elogiava o congresso perante o ‘ataque’ dos jornalistas.

Elite activa

A elite, fardada com as cores do MPLA, não se furtou em marcar presença. Ministros, secretários de Estado, empresários, reitores e académicos, deputados, quase todos. Lá escapava Carlos Saturnino, presidente da Sonangol, a destoar com a sua camisa branca. Quase se confundia com um dirigente de uma das igrejas – e eram muitos! – não fosse os efusivos abraços de militantes ao ‘rival’ de Isabel dos Santos. Por falar nela, ninguém a viu por lá, ao contrário da irmã, Tchizé dos Santos, que se desmultiplicava em conversas e ‘negas’ a entrevistas.

Era a elite que ia conjecturando quem seria a vice-presidente escolhida por João Lourenço. Nem o congresso ia a meio e já se sabia que seria uma mulher. Joana Lima? Carolina Cerqueira? Mara Quiosa? A escolha recaiu na antiga jornalista, deputada e membro do comité central, Luísa Damião.

Ao mesmo tempo, o congresso escolhia Boavida Neto para secretário-geral, para “voltar a impor disciplina”, ouvia-se cá fora.

Fora de ‘combate’, na cúpula do MPLA, ficavam nomes sonantes como Bento Bento, Kundi Paihama, Paulo Kassoma, João Baptista Kussumua, Manuel Vicente, Augusto Tomás, João Miranda, entre outros, como os históricos França ‘Ndalu’ e Roberto de Almeida. Contas feitas, dos 52 membros, do ex-bureau político, sobreviveram 27.

Foi para eles, os novos e os resistentes, que, no discurso, João Lourenço se dirigiu: “Espero que venham a ser eleitos militantes com idoneidade e capacidade de trabalho comprovadas, mas, sobretudo, corajosos e comprometidos com a causa do Partido, que me ajudem a fazer uma governação virada para a resolução dos principais problemas da nossa sociedade, da economia e dos cidadãos.”

Entusiasmo na hora da mudança

O perímetro do Futungo de Belas esteve rigorosamente vigiado. Nem faltaram militares e todas as forças de segurança. Enquanto os moradores do bairro se queixavam da falta de táxi, houve militantes que saíram de vários bairros só para viverem de perto o momento que marcou a transição do poder de José Eduardo dos Santos para João Lourenço. Alguém avisava: “Aqui não se fala mal dos dirigentes do MPLA.”

Pascoal Pedro da Gama, de 87 anos de idade, antigo combatente e um dos integrantes do famoso Processo dos 50, veio de Viana para participar no congresso, mas os serviços de protocolo barraram-no.  Levaram o convite e os documentos, mas não deixaram a credencial. Pedro da Gama esteve preso 28 anos pela polícia política portuguesa, quase ao mesmo tempo do que Agostinho Neto. Hoje, pastor da Igreja Metodista, defende que o novo presidente do partido “deve impor disciplina e resolver os problemas” e recomenda que “não se envaideça”.

Vestido a rigor, o rei da Baixa de Cassange, José Hebo Tengo, lamentava não ter chegado a horas. Veio de autocarro da Lunda-Norte, enfrentando as estradas péssimas. Viu a sua participação ao conclave gorada, mas apela a que João Lourenço “não deixe o partido cair nos erros do passado”. “Sendo o MPLA o partido que governa, não seria salutar a existência de dois presidentes”, afirmava, recomendando “soluções urgentes”.

Aida Miguel, militante de Cacuaco, confessava não ter gostado do discurso de José Eduardo dos Santos, porém elogiava o facto de ele ter reconhecido os erros como um “gesto de humildade”.

Ambrósio Borges, de 33 anos, militante no bairro da Sapú, em Luanda, sabia que não podia entrar na sala. Mesmo assim, foi ao CCB para se exprimir: “Sem o MPLA no poder, Angola pode estar em queda”. Desde que nasceu só conheceu um partido e um presidente, por isso, quis acompanhar de perto a transição. No entanto, Borges, apesar da militância, nunca ouviu falar dos primeiros presidentes Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade, lembrando que estas figuras são desconhecidas sobretudo para muitos jovens no seio do partido, pelo que segundo ele, este anúncio “vai repor a verdade histórica”.

“O jovem que exibe as fotos de Agostinho Neto, com José Eduardo dos Santos e João Lourenço devia incorporar estas duas figuras, mas acho que também não sabia”, enfatiza, ao sair do CCB, deslumbrado por ficar a saber que afinal o partido já vai no seu 5.º presidente.   

PS saúda MPLA

O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, na qualidade de secretário-geral do PS, saudou a eleição de João Lourenço para a presidência do MPLA, refere uma nota do partido, divulgada pela Agência Lusa.

O PS sublinha ainda que as relações entre os dois países “são muito importantes do ponto de vista político, histórico, cultural e económico, caracterizado os milhares de portugueses e angolanos que vivem nos dois países”. António Costa tem agendada uma visita a Angola, durante dois dias, a partir da próxima segunda-feira.

Frases de João Lourenço

Finalmente, com o partido na mão

Os males a corrigir, e não só, mas sobretudo a combater, são a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade, que se implantaram no nosso país nos últimos anos e que muitos danos causam à nossa economia, afectam a confiança dos investidores, porque minam a reputação e credibilidade do país.

Estes males apontados aqui são o inimigo público número um, contra o qual temos o dever e a obrigação de lutar e de vencer. Nesta cruzada de luta, o MPLA deve tomar a dianteira, ocupar a primeira trincheira, assumir o papel de vanguarda, de líder, mesmo que os primeiros a tombar sejam militantes ou mesmo altos dirigentes do Partido, que tenham cometido crimes, ou que, pelo seu comportamento social, estejam a sujar o bom nome do Partido.

“Não confundiremos nunca a necessidade de se promover uma classe empresarial forte e dinâmica, de gente honesta que, com o seu trabalho árduo ao longo dos anos, produz bens e serviços e cria emprego, com aqueles que têm enriquecimento fácil, ilícito e, por isso, injustificável, feito à custa do erário público, que é património de todos os angolanos. No caso de estes últimos serem militantes, responsáveis ou dirigentes do MPLA, não permitiremos que comportamentos condenáveis dessa minoria gananciosa manche o bom nome deste grande Partido, que foi criado com suor e sangue para defender uma causa nobre”.