Ministério da Educação acredita que o projecto é exequível

Exame nacional recebe ‘cartão vermelho’ de especialistas

O plano governamental de se elaborar, ainda este ano, um único exame para os alunos que frequentem a 6.ª, 9.ª e 12.ª classes gera dúvidas entre os educadores. Há quem receie que o país ainda não tenha condições técnicas nem logísticas para aplicar um exame nacional que não levante suspeitas. O Ministério da Educação acredita que o projecto é exequível e até agendou para os próximos dias uma conferência de imprensa para explicar como vai pô-lo em prática.

Exame nacional recebe ‘cartão vermelho’ de especialistas
Mário Mujetes
Carlinhos Zassala

Carlinhos Zassala bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola

Se é para ter um carácter nacional, todos os alunos do país têm de ter as mesmas condições para que haja justiça na prova única que lhes será aplicada.

A partir deste ano, os alunos do ensino geral e médio técnico profissional poderão passar a fazer um exame nacional para finalizar o ciclo, devendo as provas destinar-se a quem frequente a 6.º classe (para o ensino primário), 9.ª classe (para o I ciclo do ensino secundário) e 12.ª classe (para II ciclo do secundário). Deverá ainda haver um exame nacional para abranger os alunos da 13.ª classe, representando o fim de ciclo do ensino médio técnico profissional. A informação foi avançada esta semana ao NG pelo secretário de Estado para o Ensino Pré-Escolar e Geral, que, para já, não detalhou as medidas que estão a ser adoptadas para a implementação dos exames nacionais, os objectivos que o Governo pretende alcançar com esta iniciativa, bem como as entidades envolvidas neste processo. Pacheco Francisco assegurou apenas que, ainda este mês, o Ministério da Educação (MED) vai organizar uma conferência de imprensa para responder a estas e a outras perguntas. 

Entretanto, enquanto o MED não vem a público explicar como vai pôr em prática o plano de aplicar um único exame, com o mesmo conteúdo e feito à mesma hora, para todos os alunos de uma determinada classe de todo o país, há quem alerte para os “perigos” que podem advir desta iniciativa. É o caso do presidente do Sindicato Nacional dos Professores (Sinprof), que lembra a necessidade de se “afinar bem a máquina” em termos de gestão, visto que o país tem apresentado “muitas dificuldades” no que à estatística diz respeito, com “inúmeros” casos de alunos de uma turma que fazem a mesma prova em períodos diferentes devido a insuficiências de enunciados. Guilherme Silva mostra-se igualmente preocupado com o “incumprimento” dos programas curriculares em certas províncias, pelo que é com “algumas reticências” que olha para esta iniciativa governamental. 

O presidente do Sinprof cita casos de professores da 5.ª e 6.ª classes que, pela especificidade da sua formação, ao se depararem com o conteúdo de disciplinas que não dominam, como é o caso de ‘Educação Musical’, aplicam o ‘método do canguru’. Ou seja, explica Guilherme Silva, estes professores ‘saltam’ a parte relativa a estas matérias. “Não estou a temer o exame. Estou a alertar para as fracas condições que possuímos…Você vai aplicar um exame nacional num momento em que os manuais ditos gratuitos não são distribuídos a todas as crianças?”, questiona o sindicalista, sustentando as dúvidas com outra ‘rajada’ de perguntas: “Aplicar exame nacional a uma criança que estuda debaixo de uma árvore e que tem de sair a correr quando há intempéries, ou numa sala com 80 ou cento e tal alunos? Não adianta estarmos a atirar areia para os olhos das pessoas. É preciso que nos organizemos primeiro, por forma a termos um exame nacional que represente a nação e não mais um projecto para justificar relatórios.”

 

De “extrema importância” 

O presidente da Associação Nacional do Ensino Particular (Anep) orgulha-se de a organização que dirige ter indicado duas técnicas “altamente qualificadas” para integrarem a comissão do MED que trabalha na implementação dos exames nacionais no ensino geral. António Pacavira não deixa, contudo, de enumerar os quatro factores para os quais o Governo deve prestar “especial atenção”, se quiser que a iniciativa decorra com êxito: “tecnologia, logística, inspecção e fidelidade dos gestores escolares”, sendo este último “fundamental” para que não ocorram nos exames os “desvios” que se costumam registar na distribuição dos manuais escolares.

Embora considere necessário aguardar pelas explicações do MED para se poder opinar com mais substância, o líder da Anep considera de “extrema importância” a implementação dos exames nacionais, na medida em que poderá ajudar a aferir a qualidade do ensino que se pratica no país. “Só podemos ver se Luanda é inferior ou superior às outras províncias mediante uma prova nacional feita numa determinada classe”, explica António Pacavira, lamentando, por outro lado, que o MED esteja a dar este passo sem regulamentar os diversos aspectos que constam da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, definindo especificamente como se devem processar os elementos que a lei aborda de forma generalista.  

Por exemplo, prossegue Pacavira, os exames nacionais teriam “maior eficácia” se houver ‘rankings’ para permitir aferir as qualidades das aprendizagens, do ensino e dos seus meios. Caso contrário, avisa António Pacavira, fazer exames nacionais “seria muito mais para cumprir algo que o Governo anterior não cumpriu do que para atingir a eficácia. “Temos de nos virar para a escola eficaz e a eficácia nos resultados depende muito da competitividade, e o ‘ranking’ nas escolas é o elemento fundamental para a competitividade. O ‘ranking’ pode mudar o paradigma da educação.” 


Excluídos 

Por sua vez, o docente universitário e bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola lamenta que o MED não o tenha convidado a integrar a comissão que trabalha na implementação dos exames nacionais no ensino geral. Em declarações ao NG, Carlinhos Zassala avisa que a materialização desta iniciativa exige que se respeitem diversos requisitos, nomeadamente o rigoroso cumprimento dos programas e a distribuição de inspectores da Educação em todo o país, incluindo nas zonas mais recônditas. “Se é para ter um carácter nacional, todos os alunos do país têm de ter as mesmas condições de estudo para que haja seriedade e justiça na prova única que lhes será aplicada”, avisa. 

 

Autor de uma dissertação de mestrado, apresentada no Brasil, sobre o fracasso escolar no ensino primário em Angola, Carlinhos Zassala assegura que a Ordem dos Psicólogos de Angola tem especialistas que dominam “muito bem” a matéria relativa a exames nacionais. O bastonário considera, por isso, que o MED ainda vai a tempo de juntar pessoas que poderiam emprestar “maior qualidade” ao projecto que pretende estabelecer a realização de uma única prova nacional para a conclusão de cada um dos ciclos que compõem o ensino geral. “Os professores também devem ter uma preparação psicopedagógica e não apenas ter conhecimentos técnicos para o sucesso desta iniciativa”, alerta Zassala, que apela para a alteração do quadro actual de excesso de alunos por turma, num rácio de 60 estudantes por cada sala, ao contrário dos 45 recomendados.

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