É com ‘mimos’ que se desfazemos “irritantes”

Um ponto está necessariamente claro. O realismo económico voltou a impor-se na estabilização das relações Angola-Portugal. Quando se desencadeou o “irritante” caso Manuel Vicente que levou João Lourenço a condicionar as relações bilaterais, não foi difícil adivinhar que uma das partes haveria de ceder. E esta parte seria, sem dúvidas, a parte portuguesa. Por um lado, porque João Lourenço havia transformado o ‘caso’ numa disputa política, elevando-o à dimensão de Estado. Não tinha como recuar e não via qualquer razão para o fazer, até porque estavam também em causa motivações sentimentais, de orgulho e de egos. Por outro, porque, pelos cálculos do poder em Lisboa, qualquer solução de ruptura seria mais desfavorável aos interesses portugueses do que aos interesses angolanos. Desde o passado que essas contas de ponderação de perdas e ganhos geram medos e apavoram, sobretudo, o lado mais fraco. Não foi por acaso que alguma elite em Portugal exigia da sua justiça mão firme, para que não cedesse à chantagem angolana.

É com ‘mimos’ que se desfazemos “irritantes”É com ‘mimos’ que se desfazemos “irritantes”

O facto é que a justiça e a política portuguesas cederam. O processo foi enviado a Angola, os “irritantes” nas relações foram engavetados e António Costa viajou para Luanda em Setembro, antecipando-se à deslocação de João Lourenço.

O Presidente da República não poderia, por isso, ter aterrado em terras lusas no melhor momento para dar e receber.

Sobre o que leva na bagagem, as empresas portuguesas que reclamam dívidas das Finanças angolanas seguramente terão respostas mais terminadas. E aquelas que anseiam instalar-se em Angola, pela primeira vez, também deverão contar com promessas explícitas de João Lourenço sobre as facilidades e apoios que deverão receber.

Mas o Presidente da República tem certamente as expectativas elevadas quanto ao que deverá trazer na bagagem de regresso. Vai querer voltar com garantias de que as autoridades portuguesas farão o máximo para apoiar a sua agenda de repatriamentos de capitais “ilícitos”. E, sobre o potencial investimento português, João Lourenço vai querer trazer a Luanda a convicção de que os exportadores serão substituídos por investidores que produzam mais-valias duradoiras em solo angolano.

No fim de contas, a vitória de João Lourenço no ‘braço-de-ferro’ contra a justiça portuguesa acaba por ser um episódio sem relevância no que os dois países podem construir para a estabilidade da relação futura. Ainda que não pareça a muito boa gente, Angola e Portugal têm muito mais a ganhar andando juntos, porque os interesses que os unem são mais fortes do que as desavenças que os separam. Portugal voltou a interpretar isso correctamente e não poderia espelhá-lo da melhor maneira: carregou nos ‘mimos’ a João Lourenço. Salvo um novo “irritante” inesperado, é mais do que provável que as relações bilaterais venham a conhecer tempos estáveis, promissores e de mais respeito mútuo.