São diagnosticados mais de três mil casos por ano

Doentes com cancro abandonam tratamento

O único instituto público especializado no tratamento de cancro em Angola tem em funcionamento apenas um dos três aceleradores lineares para quimioterapia. E atende, por dia, 60 pacientes. O Instituto Angolano de Controlo de Câncer (IACC) regista, anualmente, uma média de três mil novos casos de cancro, sendo que, pelo menos, 85 por cento chegam em fase tardia e cerca de 25 por cento abandonam o tratamento.

Doentes com cancro abandonam tratamento
Santos Sumuesseca

Fernando Miguel, director do IACC

Temos outros problemas colaterais, sobretudo com a crença nos tratamentos tradicionais e religiosos.

Pelo menos, oito em cada 10 pacientes atendidos no Instituto Angolano de Controlo ao Câncer (IACC) chegam numa fase considerada tardia. A revelação é do próprio director do IACC, Fernando Miguel, que afirma que dos casos recebidos, 85 por cento chegam em fase tardia. “Refiro-me ao estádio três e quatro em que nada, ou quase pouco, podemos oferecer a estes doentes para o tratamento. A única coisa que se oferece é o tratamento paliativo”, constata o responsável, que defende a prevenção como a melhor forma para se evitarem situações semelhantes. Fernando Miguel explica que as pessoas têm pouco conhecimento sobre a amplitude do cancro e de outras doenças crónicas não transmissíveis porque estas, em princípio, não têm uma manifestação clínica. “As pessoas estão habituadas que um doente tenha dor e febres mas, como estas doenças, em princípio, não têm essas manifestações clínicas, quem está doente retarda a procurar ajuda médica”.

Além da chegada tardia dos doentes à unidade de saúde, o responsável lamenta a alta taxa de abandono que o centro tem registado. Muitos abandonam o hospital e recorrem aos tratamentos alternativos. “Temos outros problemas colaterais, sobretudo com a crença nos tratamentos tradicionais e religiosos, algumas vezes, mal interpretados”, lamenta. “Temos uma alta taxa de abandono de 25 por cento. O cancro é uma doença letal, temos estado a registar, pelo menos, um óbito por dia”, conta. 

O IACC é o único, em Angola, especializado no tratamento do cancro. Atende diariamente cerca de 200 pacientes e, mensalmente, são diagnosticados, pelo menos, 250 novos casos. O instituto tem uma média de três mil novos casos de cancros diagnosticados, em que se destacam o da mama, o do colo do útero e o da próstata. Encontram-se em tratamento mais de seis mil pacientes.

A unidade hospital possui ainda um serviço especializado em oncologia pediátrica, em que estão em tratamento cerca de 150 crianças com diferentes tipos de cancro, com destaque para o retinoblastoma (nos olhos) e tumor nos rins.

O cancro do colo do útero é o segundo com mais casos e mortes no país. A doença pode ser prevenida com uma vacina que se encontra disponível em Angola há  mais de seis anos. No entanto, apenas alguns centros de saúde privados têm disponíveis. Entre 2013 e 2015, o Ministério da Saúde (Minsa) fez uma experiência-piloto para a introdução da vacina na Maternidade ‘Lucrécia Paim’. Fernando Miguel acredita que a condição financeira que o país vive pode estar na base da não-introdução da vacina no calendário obrigatório do Programa Alargado de Vacinação (PAV).

 

Com apenas um acelerador

O IACC tem em funcionamento apenas um dos três aceleradores lineares que possuí para a quimioterapia. Um número insuficiente para a satisfazer a procura vinda de todo o país. E atende, por dia, 60 pacientes. Até 2016, o Minsa planeava a compra de 12 aparelhos. A intenção até se encontra inscrita no Plano de Nacional de Desenvolvimento (2012/2025). Os aparelhos, segundo soube o NG, seriam distribuídos por outras províncias e que o IACC ficaria com cinco, dos 12. Nem se concretizou a compra e, actualmente, está apenas um em funcionamento e os outros ainda em fase de montagem.

Além das promessas de aceleradores lineares, o Minsa tinha em carteira a construção de seis centros regionais para o tratamento de cancro em Cabinda, Huíla, Benguela e em outras duas províncias. Promessas que acabaram por ‘morrer’ sem serem cumpridas.

Apesar das dificuldades com a insuficiência de lineadores, Fernando Miguel assegura que o instituto tudo tem feito para garantir que não faltem medicamentos aos doentes.

 

A agravar-se no mundo

A Agência Internacional para a Investigação do Cancro, da Organização Mundial da Saúde (OMS), estimava que, em 2018, seriam registados mais de 18 milhões de novos casos de cancro e 9,6 milhões de mortes. A organização prevê que, até 2030, haja mais de 27 milhões de casos incidentes de cancro, 17 milhões de mortes provocadas pela doença e 75 milhões de pessoas a sobreviver anualmente com cancro. O maior efeito deste aumento vai ser em países de baixa e média rendas, antecipa a OMS.

 

Obras paradas há cinco anos

O Instituto tem uma capacidade para 80 camas e a sua estrutura vai apresentando sinais de degradação. As obras de ampliação do IACC estão paralisadas desde 2014 por falta de dinheiro. Na nova estrutura, estava prevista a extensão dos serviços de internamento, blocos operatórios laboratórios, entre outros. Actualmente, dispõe de apenas um bloco operatório com duas salas, dois laboratórios e uma área de internamento.