Amadorismo generoso

Uma coisa é certa. Seja qual for o desfecho do vergonhoso espectáculo em torno da inumação de Jonas Savimbi, o Governo sai queimado na fotografia. Primeiro, porque foi politicamente negligente, ao subestimar todo o aproveitamento que a Unita programou retirar desse evento. Segundo, porque, ao tentar minimizar o estrago da sua negligência, fez com que a emenda saísse pior que o soneto. Num amadorismo perturbador, optou pela arrogância, recusando a alternativa do diálogo imediato. Consequência: ampliou um conflito que, no mínimo, já teria desaparecido das notícias.

A estratégia de se excluir o Presidente da República da génese do impasse também foi mais bem aproveitada pela Unita do que pelo Governo. Desde logo, porque ninguém acredita que Pedro Sebastião tenha decidido abandonar as ossadas de Savimbi no Andulo, por sua conta e risco. O Presidente da República tem de ter acompanhado o caso a par e passo até pela sua sensibilidade. E, se não o fez, deveria tê-lo feito. A Unita, sabendo disso, fingiu engenhosamente que não sabia, ao escrever a João Lourenço com a intenção de colocar o Presidente como parte da solução e não do problema. Só que, para o desprazer de João Lourenço, no momento em que Samakuva assinava a carta, o poder negocial na resolução do conflito já estava equilibrado. A Unita não estaria mais disposta a receber “ordens de ninguém”, sobretudo depois de os seus militantes e amigos se terem organizado, aos milhares, em vigílias no Bié e no Huambo.

O dilema para João Lourenço estava montado. Perante a recusa da Unita e da família em recolherem os restos mortais de Savimbi no Andulo, antes da inumação, qualquer decisão pelo punho do Presidente teria custos reputacionais para ele próprio e para o seu Governo. Não responder à carta de Samakuva antes do dia 1 de Junho, soaria à covardia. Autorizar os militares a darem destino incerto aos restos mortais de Savimbi, como chegou a ameaçar Pedro Sebastião, provaria que as iniciativas que pretendem consolidar a reconciliação nacional não passam de uma festa de egos.Ceder às exigências da Unita confirmaria o padrão que denuncia o amadorismo político do Governo.

Contas feitas, tudo deve terminar da forma como começámos. Seja qual for o desfecho desse espectáculo deprimente, a Unita ganha. Para o MPLA/Governo deveria sobrar, pelo menos, o consolo da aprendizagem: a tentativa eufórica de construção de um legado de pretensa ruptura está a deixar uns tantos à beira da insanidade. Só assim se explica que certos notáveis tenham defendido publicamente que as iniciativas que conduzem à consolidação da reconciliação são uma generosidade do Presidente da República.