À caça de luz e makezu

Em 1978, ‘Ano da agricultura’, já António  Fernando e Manuel Carlos ‘Xika Yangu ou Raimundo’ (primo dele) haviam abandonado a região  de Kuteka, nas margens do Longa, para se fixarem na Fazenda Israel, próximo da Estrada Nacional Luanda-Huambo, gerida na altura por João dos Santos ‘João Kitumbulu’ (tio de minha mãe). 

O meu mano Arnaldo Carlos, filho de Xika Yangu, diz que “os dois papás desde a independência que juntavam ideias para se fixarem. O mais próximo possível da estrada”, sinónimo  de luz e avanço económico.

A rodovia asfaltada, concluímos hoje, permite proximidade com os grandes centros. Permite produção auto-suficiente, com excedentes colocados à venda, renda, poupança e aquisição de bens industriais. Nesse quesito, o soba Xika Yangu já tinha bicicleta e o filho mais velho, Jorge Kakonda, uma mota Suzuki.

A aldeia de Mbangu-de-Kuteka ou a fazenda nas matas de  Kitumbulu, onde meu pai vivia junto do seu progenitor, nada davam senão a mesmice da mandioca e derivados, pesca e caça abundantes e o café que foi, aos poucos, perdendo peso e valor.

O passo seguinte seria abandonarem a fazenda e constituírem uma aldeola familiar, no Limbe, perto de quatro quilómetros da fazenda, onde reconstituiriam suas vidas. E assim fizeram em 1980.

A viver no acampamento, privei com outros meninos, filhos de ex-contratados ovimbundu, e com eles aprendi a língua e os hábitos de seus papás, pois em nossa pequena comunidade ambundu, o português era exigido a todo o tempo, já que estava à espreita a entrada para a pré-kabunga.

Certa vez, estávamos ainda no ano de 1979, ‘Ano da Formação de Quadros’, Arnaldo Carlos, Sabalo Kambota (primo Zito), Augusto João ‘Kapayu’ mais tarde conhecido como ‘Gasolina’ (filho do gerente da fazenda) e talvez o tio Beto Santos ou Zé Borracha (sobrinho da avó Emília, a mãe do tio Gasolina) decidiram ir à caça de ‘makezu’ ou canta-pedras  no gigante paleolítico conhecido como pedra escrita. Era tempo de capim de altura intermédia,  Fevereiro talvez. 

Munidos de cães de caça,  zagaias e flechas e outros utensílios para desalojar os animais de suas tocas, conseguiram uma boa caçada. Ao mais novo, no caso eu, cabia levar alguma das peças abatidas.  De regresso à casa, perto de dois ou três quilómetros, o passo apressado e faminto de adolescentes descompassava com o lento, faminto, sedento e cansado do infante que, aos poucos, os foi perdendo de vista e na distância. 

Como perigo não havia, pois sobre guerra nem na rádio ouvíamos ainda falar, eles foram na galhofa andando e pensando que o rapaz os seguia e cedo a eles se juntaria. 

Postos no acampamento, Arnaldo e Sabalo, Kapayu e o primo Beto na casa particular de seu pai terão  notado a minha ausência prolongada.  Até hoje, nem o meu mano e amigo de todos os tempos Arnaldo, nem Kapayu que era um tio-amigo, nem o primo Zito (os dois últimos  já não vivem), ninguém me confidenciou se terão  levado alguma reprimenda dos mais velhos. Só sei que fizeram caminho inverso, procurando por mim, encontrando-me dormitando à sombra de um arbusto que crescera no então ‘campo aviação’, meio caminho entre a ‘pedra escrita’ e a Fazenda Israel (rebaptizada no pós-independência por Fazenda Hoji-ya-Henda). A sede, a fome e o cansaço foram tão fortes que forçam não sobrara nas pernas e pés descalços sobre areia quente e movediça da tarde ensolarada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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