Rafael de Moura, actor brasileiro

“Para se ser palhaço, é necessário estudar”

Rafael de Moura esteve em Luanda pela 1.ª vez, a convite da Aliança Francesa, para ensinar angolanos a serem palhaços. Em entrevista ao NG, confessa estar impressionado com o “desempenho” e “dedicação” dos alunos que formou. O actor brasileiro considera as mudanças políticas que o Brasil atravessa “um retrocesso” e recorda os preconceitos por que passou quando escolheu ser palhaço.

“Para se ser palhaço, é necessário estudar”

Rafael de MouraPalhaço

Foi impressionante ver como os angolanos têm conhecimento da cultura, política e como estão sedentos de cursos como estes.

Numa conversa descontraída, o NG retirou as vestes do palhaço ‘Pinguinho’, como é conhecido no Brasil, e desvendou quem está detrás delas. Trata-se de Rafael de Moura, actor brasileiro, de 37 anos, que construiu a escola ‘Construindo o seu Clown’ para trabalhar a arte da palhaçaria como processo terapêutico de descoberta e ‘fintar’ o preconceito, mostrando que, para se ser palhaço, “é necessário estudar”.

Em Angola pela 1.ª vez, a convite da Aliança Francesa em parceria com o grupo teatral Horizonte Njinga M’bande, onde ministrou uma formação em palhaçaria, com destaque para actuação como palhaço terapêutico em hospitais e outros locais de vulnerabilidade social. Mesmo com tão pouco tempo de formação, o actor mostra-se “muito surpreso” com o desempenho dos alunos, garantindo que vê neles expressões físicas, dedicação, disciplina e muita vontade de aprender. “Foi impressionante ver como os angolanos têm conhecimento da cultura, política e como estão sedentos de cursos como estes”, explica.

Apesar de considerar que ser palhaço não é uma "tarefa fácil”, Rafael de Moura espera que, depois da formação, os alunos estejam preparados para levar alegria e magia não só aos hospitais, mas também às escolas e praças, a fim de transmitir e transformar a vida de quem os assiste.

Quando está fora dos palcos, “nunca” é reconhecido, o que para ele “é muito bom”, pois consegue levar a vida distante dos holofotes sem estar preocupado com as aparências.

Sem escapar do preconceito

Muitas vezes, as pessoas são chamadas de palhaços para dizer que são ridículas, por conta disto, o também malabarista garante sofrer “muitos preconceitos” porque a palavra palhaço foi transgredida. Ao contrário do que acontecia antigamente, “as pessoas tinham muito respeito porque se sabia que o palhaço é um ser que se dedica a trazer o mais rico que os homens podem adquirir: felicidade, magia, encantamento, parenteses para parar de sofrer e poder sonhar e, depois de um tempo, a sociedade passou a desejar ser séria e acreditar que, para se ter sucesso, é preciso trabalhar duro e, por isso, houve uma transgressão e assim passou a usar a palavra palhaço para chamar as pessoas de idiotas'', resume o significado e questiona-se: "Quem é feliz, quem sorri é um idiota? Sofro muito preconceito ainda há quem pergunte você vive disso? você ganha para ser palhaço?". Ainda assim, o actor não se deixa intimidar e considera a profissão "bonita" e promete continuar a lutar para que as pessoas olhem para quem pratica a profissão com admiração.

Com regresso marcado hoje, o actor fez algumas actuações em Luanda, visitas em centros de acolhimento e hospitais. 

Actor há 20 anos

Rafael de Moura nasceu em Santa Rosa, Brasil. Aos 14 anos, mudou-se para Porto Alegre para estudar teatro. Descobriu o personagem em 2001 quando foi chamado para trabalhar com o palhaço português Zé Ramalho, com quem aprendeu todas as técnicas de palhaço de picadeiro. Integrou o elenco do espetáculo ‘O Menino Maluquinho 2000’, de Adriane Mottola, o que lhe rendeu os prémios ‘Tibicuera de Melhor Actor Secundário’ e Prémio ‘Isnard Azevedo’. Estreou-se no circo como palhaço a convite do director Dilmar Messias e, a partir daí, criou o seu conhecido personagem, o palhaço ‘Pinguinho’. Em 2015, cria a escola 'Construindo Seu Clown', onde forma e habilita novos palhaços.

Relação Brasil-Angola

Rafael de Moura acredita que Brasil e Angola são “muito parecidos” em termos culturais. “Somos um povo muito sofrido e muito castigado pelos governantes, tanto aqui como no Brasil, e, mesmo assim, não paramos de sorrir”. O jovem garante que fica triste ao ver as políticas que se criam para enriquecer e, em relação à cultura, vê muitos êxitos do seu país a perderem-se. “Actualmente, estamos a retroceder. A ganância do ser humano está a fazer com que voltemos aos momentos difíceis em que os governantes estão a olhar só para os poderosos. No Brasil, enquanto vemos alguns a colocar dólares nas cuecas, vemos mães a sofrerem por não terem dinheiro para comprar um litro de leite para o filho”.

Sobre o contexto sociopolítico que o Brasil atravessa, Rafael de Moura acredita que, com a nova governação se aproximam "dias difíceis",com a "perda de liberdade". "Vejo o Brasil a fechar as portas e a voltar a ser um país preconceituoso, voltado para o trabalho e não para o lazer”. Apesar disso, não descarta a possibilidade de haver melhorias.

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