Professores e coordenadores dão nota negativa ao ensino do inglês nas escolas públicas

"The situation is not good"

Uns entendem que há “pouco” tempo de aula, enquanto outros se queixam da “gritante falta de materiais”. Há ainda quem revele que o problema é a competência didático-pedagógica de quem é admitido para leccionar, mas todos concordam num ponto: o ensino do inglês nas escolas públicas é “um fracasso” e desafiam o Ministério da Educação a explicar com que objectivo inseriu a disciplina no currículo. Até sábado, decorre, em Luanda, uma conferência que pretende analisar o impacto do inglês no desenvolvimento de Angola.

"The situation is not good"
Santos Sumuesseca
Aula de inglês no IMEKK, em Luanda.
Alberto Bumba

Alberto Bumba aluno do IMEKK

Admite que ficou “confundido” com a expressão ‘newspaper’, que lhe pareceu tratar-se de ‘papel novo’, quando, na verdade, quer dizer ‘jornal’.

Miss Carla, introduce yourself”, diz o professor Arcanjo António, pedindo que uma das alunas se apresente. A estudante, também em inglês, revela o nome completo e a idade, nome dos pais e a profissão destes, além de explicar onde mora, como ocupa os tempos livres e o que deseja fazer quando sair do Instituto Médio de Economia do Kilamba-Kiaxi (IMEKK), em Luanda, onde frequenta a 11.ª classe de Técnicas de Finanças. A turma aplaude e o professor também, mas a equipa de reportagem percebe que se trata de um exercício rotineiro. Por isso, o jornalista escolhe, ao acaso, um outro estudante e faz uma pergunta em inglês: “What do you think about our newspaper?”

A turma fica silenciosa. Segundos depois, ouve-se risos. O estudante a quem o repórter fez a pergunta tenta gaguejar algumas palavras, mas sem sucesso. Então, o professor intervém, traduzindo a questão do jornalista, que queria saber o que o estudante do IMEKK achava do jornal Nova Gazeta. Cabisbaixo, Alberto Bumba, o estudante, admite que ficou “confundido” com a expressão “newspaper”, que lhe pareceu tratar-se de ‘papel novo’, quando na verdade quer dizer ‘jornal’.

Entretanto, o professor Arcanjo António entende que este “nem é o mais grave dos problemas”. Aos 45 anos, este docente do IMEKK lecciona inglês há 15 anos, metade dos quais no ensino público, e considera “bastante preocupante” o nível dos alunos que recebe no ensino médio, sobretudo em relação aos verbos auxiliares, que são “fundamentais” para a elaboração de perguntas e frases negativas na ‘língua de Shakespeare’. “Temos de rever a base, pois os estudantes do médio, tendo aprendido inglês na 7.ª, 8.ª e 9.ª classes, deveriam já ter domínio dos verbos auxiliares”, refere Arcanjo António, considerando “extremamente insuficientes” os dois tempos semanais (90 minutos) reservados ao inglês. Licenciado em Literatura e Linguística Inglesas pela Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, defende a “redefinição” de políticas, pois “de nada adianta haver programas extensivos, em que se ensinam tantas coisas para os estudantes não aprenderem nada”.

Mas as ‘makas’ no ensino do inglês não se resumem ao II ciclo ou ao ensino médio técnico. Na escola ‘Nzinga Mbandi’, referente ao I ciclo (7.ª, 8.ª e 9.ª classes), a realidade é praticamente a mesma, como confirma Dorcas Gomes. Aos 33 anos, a docente revela que os alunos costumam chegar ao I ciclo “totalmente em branco” em relação ao inglês, em razão de o ensino público incluir esta disciplina apenas a partir da 7.ª classe. Além de defender a introdução desta cadeira a partir da 3.ª ou 4.ª classes, como acontece em muitos colégios, Dorcas Gomes queixa-se da “gritante falta de materiais” para o ensino do inglês nas escolas públicas, o que tem contribuído para que o interesse dos alunos seja “bastante reduzido”.

"The situation is not good"

De acordo com a professora, é “muito complicado” ensinar inglês quando, numa aula sobre figuras ou objectos, a escola não disponibiliza esses elementos para que os estudantes os possam ver e tocar. Dorcas Gomes gostaria que houvesse, nas escolas públicas, rádios que permitissem que os estudantes ouvissem histórias ou músicas em inglês, com vista a demonstrar como se articulam, no dia-a-dia, a pronúncia das palavras que aprendem na sala de aulas.  “Nem livros temos. Os manuais são sempre os mesmos, já muito antigos”, lamenta, acrescentando que “as coisas não estão nada bem” e que, actualmente, o estudante que conclui o médio na escola pública, para ter um “razoável” domínio de inglês, “precisa necessariamente de frequentar um curso profissional”.

Definir políticas

O presidente da Associação Angolana dos Formadores da Língua Inglesa (ANELTA, acrónimo em inglês) entende que quem termina o médio numa escola pública, em relação ao inglês, “deve ter competências linguística para comunicar nesta língua”. Caetano Capitão, lamentando que “não é isso o que tem acontecido”, refere que o “fracasso” se deve, entre outros aspectos, ao “reduzido tempo de aula” (90 minutos semanais). Mesmo na universidade, o inglês “não funciona”, sobretudo porque o quadro docente é “deficiente”, fruto do “insuficiente” número de escolas (médias ou superiores) especializadas na formação de professores. E isso, de acordo com Capitão Caetano, leva a que se coloquem “muitos indivíduos” nas salas de aulas sem agregação pedagógica. “São professores que aprenderam inglês de várias formas e, mesmo sem conhecimento sólido sobre pedagogia ou didáctica, vão para a escola leccionar”, denuncia.

As críticas do presidente da ANELTA são reforçadas por Jesus Bernardo, o coordenador da cadeira de inglês na Escola n.º 3043, do Cazenga, em Luanda, vulgarmente conhecida por ‘Escola Grande’. Jesus Bernardo, que considera “extremamente insuficientes” os 90 minutos semanais reservados aos professores, desafia o Ministério da Educação (MED) a definir, com metodologia e instrumentos cientificamente comprovados, as razões por que introduziu a disciplina no plano curricular do I e II ciclos do ensino secundário.

E foi com este propósito que o NG tentou, sem sucesso, obter o parecer do MED. Até ao fecho desta edição, segunda-feira, 24, o Ministério não havia explicado, por exemplo, se as metas que originaram a inserção do inglês no currículo têm sido cumpridas, a avaliar pelo perfil ou valências do aluno que conclui a formação numa escola pública.

Contudo, enquanto o MED não fala, há quem não se coiba em adiantar sugestões. É o caso do professor José Alves, coordenador de Inglês na Escola de Formação de Professores ‘Garcia Neto’, onde a admissão de estudantes ocorre mediante um teste baseado em conteúdos de inglês, matemática e cultura geral. Embora admita que a escola costuma receber alunos com nível “muito reduzido” de conhecimento sobre a língua, José Alves assegura que o produto final possui “competência para trabalhar no ensino público”. Por isso, entende que o “quadro negro” descrito “não se deve à ausência de professores, mas sim à definição de políticas claras por parte do MED”.

De acordo com José Alves, para o I ciclo, o ‘Garcia Neto’ até forma “muitos professores de inglês”, mas que ficam fora do sistema de Educação, acabando por emigrar para áreas opostas ao ensino. É o que poderá acontecer com Mavula Bungo, de 16 anos, e Juliana David, de 18, ambos na 11.ª classe. Apesar de encantados com as novidades do curso, em que lhes é dado a conhecer símbolos fonéticos de que nunca tinham ouvido falar, os estudantes admitem que nunca lhes ocorreu estudar inglês para serem professores. Mavula Bungo, por exemplo, entrou para o ‘Garcia Neto’ para se tornar tradutor, enquanto Juliana David foi persuadida pela “paixão” pelo idioma mais comercial do mundo. A faltar dois anos para a conclusão do ensino médio, os estudantes não ‘fecham portas’ à possibilidade de abraçar a carreira de docente, embora avisem que há “boas” oportunidades de emprego fora da Educação.

Inglês discutido em conferência

A Associação Angolana dos Formadores da Língua Inglesa (ANELTA) e o Clube Jovens Amigos de Inglês de Angola (CJAIA) organizam, de 26 a 29 deste mês, a ‘I Conferência da Língua Inglesa em Angola’. A decorrer sob o lema ‘Better english, better business’, que em tradução livre quer dizer ‘quanto melhor o domínio sobre o inglês, melhor serão os negócios’, a iniciativa pretende que se reflicta sobre o impacto da língua no desenvolvimento do país. Por isso, até sábado, 29, os auditórios do Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL) e do Magistério Primário, Cefojor e do ‘Garcia Neto’ estarão ocupados com a exibição de filmes anglófonos, organização de palestras, além de uma feira sobre a ‘língua de Shakespeare’. As entradas são grátis.

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