Documento vai incidir sobre o ensino pré-escolar, primário e secundário

MED prepara Lei da Política Curricular

O Ministério da Educação pretende uniformizar o desenho, desenvolvimento e a avaliação curricular em todo o ensino geral, pelo que já está a recolher críticas e sugestões para a elaboração de um documento que se vai chamar Lei da Política Curricular. A medida, que visa acabar com “elementos estranguladores” do ensino, recebe elogios dos mesmos académicos que apelam a que se evite “auscultações da pimpa”.

MED prepara Lei da Política  Curricular
Carlinhos Zassala

Carlinhos Zassaladocente universitário

Pedagogo e psicólogo escolar são indispensáveis na análise dos factores que contribuem para aprendizagem.

O Ministério da Educação (MED) abriu à auscultação pública a proposta de Lei da Política Curricular, um documento que pretende, entre outros aspectos, uniformizar o desenho, o desenvolvimento e a avaliação curricular em todo o ensino pré-escolar, primário e secundário. A ideia é permitir que tanto aqueles que elaboram os currículos quanto os que vão geri-los na sala de aulas tenham uma mesma ‘linguagem’ e estejam em sintonia na preparação das matérias. No entanto, a entrada em vigor ainda terá de aguardar alguns meses. As previsões do MED estimam que a recolha de contribuições ou opiniões do público decorra até finais de Julho, seguindo-se a discussão num órgão intermédio, que o Ministério não específica, para depois a proposta de lei ser enviada ao Conselho de Ministros com vista a receber o ‘sim’ do Presidente da República.

Enquanto não chega a fase de intervenção de João Lourenço, o MED desdobra-se na recolha de sugestões e críticas que possam enriquecer a futura Lei da Política Curricular, cuja aprovação cobrirá a ‘lacuna’ existente na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, que, no artigo 105.º, até fala sobre currículos, planos de estudo, programas de ensino e manuais escolares, mas  remete para “normas específicas” e “diploma próprio” as formas de regulamentação.

Por isso, é com entusiasmo, que o director-geral do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (Inide) anuncia que a Lei da Política Curricular poderá eliminar o hábito de se fazer avaliações em momentos pré-determinados, situação que qualifica como “um dos elementos estranguladores” do ensino. Manuel Afonso, que admite que se trata de um documento que “faz muita falta ao país”, explica que a avaliação deve ter o carácter “desde” e “até”, o que pressupõe que o processo tem início com o arranque das aulas e finda apenas com o encerramento do ano lectivo, devendo o professor ter meios e técnicas para, nas diferentes fases, aplicar o sistema de avaliação correspondente. “Por não termos este documento orientador, de base, o professor ia, dava as suas aulas e aplicava a prova para ver quem aprendeu ou deixou de aprender”, revela Manuel Afonso, admitindo que, neste sentido, “não estamos em condições de desenvolver o sistema integrado por conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e ética”. “Se um professor vai à sala de aulas apenas para transmitir conhecimentos, quando é que vai desenvolver as outras dimensões humanas?”, questiona, lamentando que, sem a Lei da Política Curricular, se esteja a trabalhar apenas a dimensão cognitiva.

Embora se pretenda dar uma dimensão nacional às sessões de auscultação pública, o MED deverá apenas publicitar a proposta em mais sete ou oitos províncias. Nas restantes localidades, serão enviadas cópias do documento para que fazedores locais da educação produzam, por escrito, o parecer a ser enviado a Luanda para análise do Ministério.

 

Por dentro do documento

Com 86 artigos, a proposta de Lei da Política Curricular congrega sete capítulos, distribuídos em pouco mais de 50 páginas, nas quais se destaca a passagem em que se fala da “necessidade de se ter em conta a perspectiva do fundamento político-ideológico como forma de garantir o cumprimento dos objectivos educacionais do Estado”. O documento também define os papéis do aluno, professor, gestores escolares e pais/encarregados de educação na escola, estabelecendo para cada uma destas figuras diferentes direitos e deveres.

No entanto, mesmo sabendo da superlotação que grassa pelas escolas, com realidades em que uma sala chega a ter 70 ou 80 alunos, a futura Lei da Política Curricular prevê a ergonomia na sala de aulas, recomendando que os alunos sejam organizados em pequenos grupos, em forma de U, em círculos ou em filas frontais. A norma não retira, contudo, a possibilidade de os colégios [como já o têm feito] elaborarem os próprios cadernos de actividades ou até manuais complementares, desde que o façam com o conhecimento e autorização do MED.

 

Académicos reticentes  

Mesmo sem terem ainda tomado contacto com a proposta de lei, Guilherme Silva e Carlinhos Zassala, respectivamente, professores do ensino geral e superior, não hesitam em elogiar a iniciativa do MED, pela abertura ao público e por se tratar de um instrumento que “vai abrir caminho para outras medidas importantes, como a implementação dos exames nacionais”. Carlinhos Zassala, por exemplo, entende que “não é novidade para o continente”, visto que, para o ensino geral, África tem a ‘Convenção de Ouagadougou’, que define planos gerais que, uma vez respeitados, permitem o funcionamento pleno da inspecção na educação. Este psicólogo escolar chama, entretanto, a atenção para a necessidade de o MED consultar “indivíduos que contribuam, de facto, em vez dos que apenas sabem bater palmas”. “A figura do pedagogo e psicólogo escolar são indispensáveis na análise dos factores que contribuem para o processo de aprendizagem”, finaliza.

Guilherme Silva, por sua vez, foca na necessidade de o Ministério não fazer “auscultação da pimpa, de chegar, reunir com algumas pessoas e conversar…”. Este dirigente sindical recomenda que se entregue a proposta a pessoas ou grupos específicos para estes elaborarem contrapropostas. “Isso é um caso sério, que deve envolver todos, porque tem que ver com o currículo, que é uma questão que mexe com todos.”

 

 

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