Histórias de quem teve a ‘vida estudantil’ salva por um banco

Quando a bolsa ajuda a fintar dificuldades

Há empresas privadas a conceder bolsas que, além de permitirem que jovens estudantes dêem continuidade aos estudos, ajudam a desviar-se da prostituição e alcoolismo. Não faltam também histórias de quem tem o pai doente, mas continua a frequentar a universidade e até tem dinheiro para propina, táxi e alimentação.

Quando a bolsa ajuda a fintar dificuldades
Santos Sumuesseca
Bolseiros
Rodrina Tito,

Rodrina Tito,estudante de Gestão de Recursos Humanos na UGS

No país, há muitos licenciados em Gestão de Recursos Humanos e eu quero estar em vantagem diante deles, por isso, pretendo estudar Auditoria.

Rodrina Tito frequenta o 3.º ano de Gestão de Recursos Humanos na Universidade Gregório Semedo (UGS), mas podia estar perdida no “alcoolismo e prostituição”, não fosse a bolsa de estudo do Banco Económico, que lhe atribui mensalmente 49 mil kwanzas. Órfã de pai desde os dois anos, Tito nasceu na Lunda-Norte e mudou-se para Luanda, no Sambizanga, ainda menina, vivendo com os avôs maternos, que lhe custearam os estudos durante todo o ensino geral. Terminado o médio, matriculou-se, em 2015, na Universidade Jean Piaget de Angola (UniPiaget), onde não terminou sequer o 1.º ano do curso de Economia, sendo “expulsa” da instituição por causa das dívidas e multas acumuladas com o não-pagamento dos 25 mil kwanzas da propina mensal.

Nesta fase, recorda a jovem de 22 anos, a vida tinha-se-lhe tornado “muitíssimo difícil”. Rodrina Tito desesperava-se, vendo os antigos colegas do ‘médio’ felizes por prosseguirem os estudos, enquanto ela se desdobrava em biscates, algumas vezes trabalhando como garçonete em festas de casamentos, e outras tantas ‘zungando’ a capital inteira a promover produtos alimentares de uma conhecida loja de Luanda. “Não vou mentir, eu bebi, bebi muito”, confessa a jovem, que admite ter sido tentada a enveredar para a prostituição, tendo-se desviado desta prática graças aos “elogios”, dos colegas e professores, que registou no primeiro ano da licenciatura em Gestão de Recursos Humanos, já na UGS, em 2017.

A matrícula nesta última universidade ocorreu graças ao dinheiro que Rodrina Tito acumulou, ao longo de 2016, com os pequenos biscates. No início de 2018, já no 2.º ano do curso, e com a propina sempre em atraso, a jovem soube da iniciativa do Banco Económico e, apesar de ter terminado o médio com 13 valores, Tito foi admitida, pois as notas do 1.º na UGS confirmavam a sua melhoria e “bom desempenho”.

 Hoje, já 3.º da universidade, a jovem mantém a bolsa e até já tem planos para o mestrado: “No país, há muitos licenciados em Gestão de Recursos Humanos e eu quero estar em vantagem diante deles, por isso, pretendo estudar Auditoria”, explica Rodrina Tito, que desvaloriza o facto de a universidade onde estuda raramente ser citada como uma das melhores de Angola. A jovem acredita que “o mais importante”, no ensino superior, “não é o nome ou prestígio da universidade, mas sim o que cada estudante carrega dentro de si”. 

 

Economista em potência

Na obra ‘Educação – um tesouro a descobrir’, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) enumera quatro pilares para o desenvolvimento da educação, sendo um deles o ‘Aprender a fazer’. Neste ‘capítulo’, aquele organismo internacional recomenda que o que se aprende na escola se repercuta positivamente na sociedade, contribuindo para a resolução dos problemas do dia-a-dia. Eukéria Ferreira, de 19 anos, não se lembra de ter ouvido ou lido sobre esta teoria, embora, na conversa com o NG, se lhe notem estas habilidades, com a jovem a explicar em ‘miúdos’ e relacionando com a vida doméstica termos e conceitos que, normalmente, são tidos como ‘economês’.

Com uma média de 17 valores, na conclusão do médio, e 14,75 no teste de admissão no ensino superior, esta estudante do 2.º ano de Economia na Universidade Católica de Angola (Ucan) não teve muitas dificuldades para ser ‘agraciada’ com uma bolsa pelo Banco Económico. Dificuldade, aliás, parece ser um vocábulo definitivamente esquecido, a julgar pelo impacto que a atribuição dos 49 mil kwanzas mensais trouxe na vida de Eukéria. Por isso, a estudante reage desta forma, quando se lhe pede que imagine como seria a vida sem a bolsa de estudo: “Com certeza, continuaria a estudar, mas isso obrigaria a minha mãe a vários, mas vários sacrifícios”, admite.Filha de uma funcionária pública divorciada, Eukéria Ferreira é a mais velha entre duas irmãs e é “apaixonada” por Microeconomia. Quando concluir a licenciatura, pretende trabalhar como investigadora, desenvolvendo estudos que, entre outros aspectos, ajudem a prever e minimizar os efeitos das variações no mercado.

Com o dinheiro da bolsa, a jovem, que vive na centralidade do Kilamba e estuda no Palanca, assegura ter a vida “mais facilitada”. Por exemplo, recorda Eukéria Ferreira, em finais de 2018, com os ‘apertos’ da Operação Resgate, a bolsa minimizou os efeitos da carência de táxis, permitindo-lhe ultrapassar as dificuldades decorrentes da especulação dos ‘candongueiros’.

 

Sem o pai para ajudar

Aos 20 anos, Helberto da Costa é o mais velho entre quatro irmãos que viram, no ano passado, o pai deixar de trabalhar por causa de um acidente vascular cerebral (AVC) e, por isso, contam apenas com a mãe, secretária numa empresa pública, para o sustento da casa. Residente no Camama, em Luanda, Costa anda no 3.º ano de Economia do Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (Isptec), tendo beneficiado da bolsa de estudo, em 2018, enquanto frequentava o 2.º ano licenciatura.

Ao falar dos benefícios da bolsa na vida estudantil e não só, Helberto até fica sem palavras, abanando negativamente a cabeça (para um lado e para o outro), num gesto de reconhecimento de que a família não teria condições para, regularmente, pagar os 31.250 kwanzas de propina e ainda arcar com as despesas de táxi, alimentação, vestuário e compra de materiais didácticos. “Para mim”, diz o estudante, “seria um peso, pois, sendo o filho mais velho, não me sentiria bem ao ter a mãe, coitada, a arcar com as despesas da família e dos meus estudos”, resume o jovem, que apela a que mais empresas, públicas ou privadas, considerem a necessidade de atribuir bolsas a jovens com dificuldades para prosseguir os estudos.

 

 

 

 

 

 

 

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