Medida do Governo obriga universidades a repetir exame

10 valores, uma regra difícil de cumprir

Não foi só no Huambo onde candidatos ‘sucumbiram’ aos 10 valores impostos pelo Governo para o acesso ao ensino superior. A nova medida mexeu de tal forma com as universidades, que há áreas em que será necessário realizar-se uma segunda prova, para que se obtenha o número mínimo que permita o curso funcionar. Mas, no meio de tanto ‘chumbo’, há um jovem que ‘arrancou’ 20 valores no exame de Matemática da maior universidade do país.

10 valores, uma regra difícil de cumprir
Santos Sumuesseca
Estudantes durante a prova do exame de admissão
Eugénio da Silva

Eugénio da Silvasecretário de Estado do Ensino Superior

Temos recebido das universidades o pedido para a realização de novas provas

Embora na maior parte dos órgãos de imprensa se faça apenas menção ao curso de Ciências Agrárias da Universidade José Eduardo dos Santos (UJES), onde nenhum dos 260 candidatos obteve 10 valores, a nota mínima imposta pelo Governo para o acesso à universidade, há outras instituições de ensino superior (IES) com o mesmo registo ou até pior. Por exemplo, na maior universidade do país, a ‘Agostinho Neto’ (UAN), entre os 79 candidatos ao período pós-laboral de Engenharia Geográfica, nenhum obteve positiva para ‘conquistar’ uma das 50 vagas, enquanto entre os candidatos do diurno ao mesmo curso, num total de 136, apenas quatro obtiveram 10 valores.

Ainda na UAN, em Arquitectura, todos os 84 estudantes que concorreram para as 35 vagas do período nocturno reprovaram, enquanto no diurno, em que estavam disponíveis 50 vagas, apenas quatro foram preenchidas, isto é, apenas quatro estudantes obtiveram 10 ou mais valores no exame de admissão. Mas há mais casos semelhantes na UAN, embora não com a mesma ‘dureza’. Por exemplo, em Matemática e Engenharia de Minas, no período nocturno, apenas foi admitido um estudante em cada um destes dois cursos, apesar de o total do número de candidatos se ter fixado em 107. Na universidade com o nome inspirado no primeiro Presidente da República, no período pós-laboral, nos cursos de Ciências da Computação e as engenharias Civil, Electrotécnica e Telecomunicação, Informática, Mecânica, Química, assim como Filosofia e Línguas e Literatura em Língua Francesa, os candidatos com positiva não atingiram os dois dígitos. Ou seja, nestes cursos, até houve estudantes que obtiveram 10 ou mais valores, mas, em cada um deles, não se conseguiu sequer que fosse 10 o número de aprovados.

O vice-reitor para a área académica e vida estudantil da UAN tranquiliza os estudantes que tenham ‘chumbado’ nestes exames, recordando que a universidade já enviou os documentos ao Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (Mescti) a solicitar uma segunda prova [como prevê a lei]. Domingos Margarida avisa, no entanto, que a UAN “não vai elaborar um novo exame mais ‘soft’ só para admitir mais estudantes ou encher as salas”. Assegurando que o conteúdo dos exames de admissão foram elaborados em função dos tópicos cedidos pelo Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (Inide), organismo estatal responsável pela elaboração do currículo e dos materiais do ensino geral, o vice-reitor revela que, no 1.º ano, as salas da universidade “estão cheias” de estudantes que reprovaram no ano passado, o que obriga a que a instituição disponibilize um número de vagas reduzido.  “Admitir um estudante fraco é transportar para a universidade um problema que vem dos níveis anteriores”, considera. 

Problema generalizado 

Com oito unidades orgânicas, espalhadas por Huambo, Moxico e Bié, a Universidade José Eduardo dos Santos (UJES) ‘inaugurou’ a onda de discussões e debates nas redes sociais, depois de ter emitido um comunicado a anunciar um novo exame porque nenhum dos 260 candidatos inscritos nas Ciências Agrárias havia obtido 10 valores. Em declarações ao NG, o reitor desta universidade, que confirmou para amanhã, 15 de Fevereiro, o ‘exame de repescagem’ para os futuros agrónomos, revelou que também em Economia e Medicina Veterinária se vai elaborar uma segunda prova, visto que, embora tenha havido positiva, o número de estudantes aprovados ficou abaixo do mínimo estabelecido para o curso funcionar. Cristóvão Simões acredita, contudo, que haverá estudantes com 10 ou mais valores no segundo exame de Ciências Agrárias, pois os candidatos “já estão avisados”, ao contrário da primeira vez, em que “foram apanhados desprevenidos”.

Na Universidade ‘Cuito Cuanavale’ (UCC), que cobre Kuando-Kubango e Cunene, o reitor recusa-se a fazer qualquer avaliação, visto que o processo de admissão de candidatos ainda decorre. Miranda Lopes adianta, no entanto, que, em Engenharia Hidráulica, entre os 92 candidatos que concorreram para as 60 vagas, nenhum obteve positiva. Já em Agronomia, registou-se apenas uma positiva entre os 66 candidatos que disputaram as 40 vagas. “É positivo, efectivamente. Temos de aferir qualidade à formação”, resume Miranda Lopes, ao analisar a nova regra para o acesso ao ensino superior.

A Universidade Lueji A’Nkonde (ULAN), com sede na Lunda-Norte, mas cobrindo também a Lunda-Sul e Malanje, disponibilizou 50 vagas em Engenharia de Minas, mas apenas 16 dos 110 candidatos obtiveram positiva. Em Construção Civil, foi mais grave: entre os mais de 100 candidatos, apenas dois obtiveram positiva na ‘luta’ pelas 50 vagas. Ainda na ULAN, em Engenharia Geográfica, houve apenas um candidato com positiva, entre os 74 que disputaram o mesmo número de vagas.

Por sua vez, na Universidade ‘11 de Novembro’ (UON), haverá uma segunda prova em 14 dos 27 cursos, porque há muitos estudantes que não obtiveram a nota mínima imposta pelo Governo. Por exemplo, em Gestão de Empresas, entre os 85 candidatos ao período pós-laboral, apenas sete obtiveram 10 ou mais valores. Em Economia, entre os 56 concorrentes, apenas quatro conseguiram positiva. João Manuel, o reitor da UON, elogia a inovação do Mescti, porquanto se trata de “uma expressão de rigor, organização e de procurar servir cada vez melhor”. O responsável mostra-se, no entanto, insatisfeito por o Governo não permitir que as universidades cobrem valores aos estudantes que vão para o segundo exame. “Vamos fazer novas provas, imprimir novo papel, organizar novas salas, gastar ar condicionando e energia eléctrica, usar novos professores e trabalhadores para controlarem as provas, mas estão a dizer-nos para não cobrarmos nada”, lamenta João Manuel, deixando uma pergunta no ar: “Se as provas de recurso para os estudantes já matriculados são pagas, porque é que não se paga para o acesso ao segundo exame de admissão?”

O secretário de Estado do Mescti não responde à questão do reitor da UON. Eugénio da Silva confirma apenas já ter recebido das universidades o pedido para a realização de novas provas. Em declarações ao NG, o governante advertiu, por outro lado, que nem todos os cursos terão direito a uma segunda prova, estando esta possibilidade reservada aos cursos prioritários, como as ciências, tecnologias e engenharias, e cuja oferta seja escassa. “Engenharia Informática, por exemplo, é um curso excedentário. Aí não autorizaremos segundas provas”, avisa.

Mas as novas regras poderão trazer outro problema. Em algumas instituições, há estudantes que até obtiveram positiva, mas poderão ficar sem estudar caso, na segunda prova, a quantidade de candidatos com nota igual ou superior a 10 valores não seja suficiente para completar o número mínimo exigido para o funcionamento de um curso, que, embora varie conforme as especificidades de cada universidade, nunca deve ficar abaixo dos 30 estudantes por turma. Eugénio da Silva admite que se trate de um dilema, mas explica que a situação decorre do Regulamento Geral do Acesso ao Ensino Superior e, por conseguinte,” tem de se cumprir”.

O génio que vale 20

10 valores, uma regra difícil de cumprir 

A mãe é uma zungueira, vende peixe. O pai é desempregado. Na Fofoca, um bairro de Viana, onde vive com os pais e mais quatro irmãos (três mais velhos e um mais novo), abundam casos de jovens e adolescentes que trocam o lápis pela navalha ou arma e a escola pela cadeia. Arlindo Vunge Miguel podia seguir o mesmo caminho, mas preferiu fazer diferente: apostou nos estudos e obteve a maior nota nos exames de acesso à Universidade Agostinho (UAN): 20 valores.

Aos 20 anos, o jovem, que frequentou o ensino médio em Energia e Instalações Eléctricas num instituto privado, até concluiu o médio em 2017. Contudo, em 2018, preferiu não tentar a sorte na universidade. Inscreveu-se num curso preparatório e, neste ano, foi à maior universidade do país ‘arrancar’ um desempenho que fica para a história. Os notáveis 20 valores, obtidos nas duas opções, Engenharia Electrotécnica e Matemática, já lhe valeram, além de muitos elogios nas redes sociais e na imprensa, uma bolsa anual de 440 mil kwanzas da empresa Angomart.

Ao NG, Arlindo Miguel revelou que o segredo para este sucesso está no esforço e dedicação. “Não devemos levar muito em conta que estamos a sofrer, caso não queiramos ter traumas na mente que nos dificultem de alcançar as nossas metas”, explica o jovem, que ainda se recorda das vezes em que mãe teve de sacrificar a alimentação da família para pagar os 12 mil kwanzas de propinas cobrados no ‘colégio’ onde fez o ‘médio’. “A mãe pagava, mas era duro, muito duro mesmo”, lembra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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